sexta-feira, 7 de agosto de 2015
CAPÍTULO 1
Os barulhos do salto do sapato nas ruas de pedra ecoaram pelo silêncio da noite. Duas sombras na parede se moviam com pressa. A presa, uma moça em torno dos vinte anos, gritava – mas não havia resposta. Atrás dela, um homem alto de sobretudo branco se movia sem muita dificuldade para alcançá-la.
- Você não vê? Não adianta fugir. – Ele diz, com seu tom calmo sem ofegar.
Ele segura sua mão com força, impedindo-a de ir mais longe. Com a outra mão tateia o bolso do sobretudo. Ao encontrar, retira um canivete borboleta, fazendo algumas firulas para demonstrar sua habilidade precisa com o instrumento, enquanto ela geme de medo, os olhos desfazendo-se em lágrimas.
- Vamos ver o que faz de você especial, vamos?
Ao puxar seu braço para cima, faz com que ela fique equilibrando-se na ponta dos pés. Lentamente, desliza o lado sem lâmina em seu antebraço algumas vezes antes de finca-lo e abrir um corte reto. O sangue começa a escorrer e ela se debate tentando fugir. Ele pressiona a lâmina em seus lábios talhando um pequeno ferimento.
- Pare de me atrasar – Ele diz com um brilho sombrio em seus olhos.
Imediatamente guarda o canivete no mesmo bolso e retira um pequeno frasco de vidro, preenchido até a metade por um líquido azul, abre a tampa e recolhe o sangue escorrendo do braço dela.
- Agora que fiz meu trabalho, acredito que posso ter meu lazer.
Seus dedos se inclinam para os botões da blusa dela, abrindo delicadamente os dois primeiros e suficientes para exibir o decote que ela mantinha omitido, sua pele branca se arrepia ao sentir o frio da noite de inverno.
- Fique longe de mim – Ela grita exasperada.
Então ele a solta, com as sobrancelhas franzidas. “Não!”, ele diz, enquanto recua.
- Pessoas como você deviam morrer – Falando entre seus soluços.
Ela não compreende o motivo pelo qual ele a soltou, mas aproveita a oportunidade para discretamente tomar distância, percebendo que seria inútil voltar a correr. Observa enquanto ele retira novamente o canivete do bolso e expõe sua lâmina. Seus olhos se fecham por alguns segundos antecipando o novo golpe. Entretanto, assim que torna a abri-los se depara com a garganta dele cortada e o sangue espalhado manchando o tecido branco de seu sobretudo.
O canivete solta-se de sua mão, se chocando contra o chão de pedra. Ele ainda possui o olhar atordoando quando seu corpo se deixa cair também, espalhando a poça vermelha em volta dele.
Ela recua para trás, confusa e assustada. Quando sente suas costas esbarrarem em alguém. Automaticamente, sente um calafrio por todo o corpo com o pensamento de que ainda não acabou, sem coragem de se mover e sem saber que tipo de atitude tomar.
Então, sente uma mão pousar em seu ombro.
- Sim, acabou. – A voz atrás dela se pronuncia, com um tom tranquilizador. Soa como um homem velho.
Virando-se para ele, verifica que estava certa. A figura um pouco mais alta que ela aparenta ter cerca de sessenta anos. Ele sorri, mas ela desvencilha-se da mão em seu ombro e dá um passo de distância.
- O que está acontecendo? – sem saber se corre para trás, onde há um homem morto ou se continua tendo seu caminho bloqueado pelo novo homem desconhecido.
- Ele é – era – parte de um grupo que faz testes em pessoas especiais como você.
- Parte do teste inclui se matar na minha frente? – Sem saber muito bem responder à esquisitice proposta.
- Não. Obviamente, não faz. Isso veio de você. Entenda, quando digo que você é especial, não me refiro à sua beleza, seu jeito único de ser, ou qualquer baboseira do gênero. Você tem um poder especial, digamos que você possa convencer as pessoas a fazerem o que deseja. Ele não sabia disso quando veio procura-la.
- Isso se chama lábia, persuasão. Não é poder algum, chama-se linguagem corporal. E eu estou indo embora. – Suas palavras soam exaustas com os acontecimentos a lidar.
- Não vá. Há tanto para explicar.
- Você parece esperto o suficiente para saber que depois do que aconteceu hoje, isso não é hora ou lugar para ouvir qualquer história sem noção. E agora, se quer realmente fingir que possuo poderes, não venha atrás de mim.
Tomando cuidado para contornar o corpo caído, corre para longe. Ao virar a esquina, sente sua adrenalina aos poucos esvaindo-se. Ele não a seguiu. Ela suspira um pouco aliada pois percebe que não tinha sido esperta ao falar tão agressivamente com outro homem que poderia lhe fazer mal. Mesmo que fosse velho, ela era muito fraca para reagir. Ao chegar numa rua mais movimentada entra em uma pequena loja de café, onde se sente mais confortável, até perceber que sua bolsa caiu em algum momento.
- Boa noite! Em que posso ajudar – diz o atendente da loja.
- Poderia ajudar me trazendo um chocolate quente. Mas eu perdi minha bolsa, tive uma noite tão difícil. – e ele se põe a preparar o chocolate enquanto discretamente ela estica a manga dobrada da camisa para tapar o ferimento, antes que assuste alguém.
Ela senta na mesa mais perto da janela, perdida em seus pensamentos. “O que devo fazer agora com tudo isso que aconteceu? Ainda estou tão assustada. Queria poder compartilhar isso com alguém agora, mas está tão tarde. E aquilo que o outro homem falou, sobre poderes. Isso é tão absurdo.”
Apesar de julgar absurdo, decide que a única forma de tirar isso da cabeça seria testar e constatar que não é real. “Parece fácil conseguir coisas com jeitinho, eu suponho. Isso não é poder”. Retira o celular do bolso da calça.
Venha me buscar. Agora. – Ela digita e envia. “Não é como se fosse alguém importante, caso fique aborrecido, é apenas um conhecido”.
Cerca de quinze minutos depois, entra na loja um homem jovem, despenteado e com olheiras.“Ele veio. Droga!”
- Você está aqui, obrigada! Estava sem sono?
- Não, estou acabado. O que houve? – Parecendo indiferente.
- Preciso que você me leve para casa. Eu perdi a minha bolsa e... – As explicações lhe são supérfluas, ele já está abrindo a porta para que ela passe. Prosseguem num silêncio quebrado apenas pelas orientações de caminho, quando o carro estaciona em frente à portaria do prédio onde ela mora há alguns meses.
- Por que você veio? – Sua voz soa doce, porém confusa.
- Eu não sei. Não sabia que me importava tanto com você. Mas de repente senti que não poderia deixar de vir.
- Eu agradeço. Durma bem.
Batendo a porta do carro, ela se encaminha para o apartamento, trancando a porta atrás de si, quando sente todo o peso em seus ombros sendo maior do que pode sustentar. Seu corpo escorrega pela porta até sentar no chão, apoiando os braços nos joelhos e escondendo o rosto com as mãos. As lágrimas são inevitáveis. A dor no braço se torna insuportável. Está suja e descabelada. Mas só há um pensamento em sua cabeça:
- E se eu realmente matei ele?
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