Um gole prolongado de café e sentiu a ligeira queimadura na ponta da língua. Não praguejou. Apoiou a caneca sobre o joelho, a alça enlaçando quatro dedos na mão. A sensação quente em contraste com o frio do dia era agradável. Conseguia ver os ponteiros do relógio de parede se movendo. O tempo passava com nitidez implacável, de modo que era inevitável não constatar que o café ficara frio e ela ainda observava fixamente a dança não fixa dos ponteiros.
Todos os dias via seus planos serem oprimidos pelos compromissos, e a inspiração ressecada pelo cansaço. Hoje tinha todo o tempo para si e ainda assim estava congelada na mesma posição, como se fosse prisioneira. Como se a criatividade a estivesse punindo por ter sido colocada em espera, fora de prioridade.
Debruçou-se, os braços apoiados no contorno na janela. Ao sentir o sol queimando a pele, fechou os olhos. O vento bagunçava o cabelo com carícias leves. Então, deixou de lado pensamentos e preocupações. Baseou suas escolhas apenas em sensações. Estava em paz, queria mais?
Nenhuma dor afligia seu coração. Nenhuma angústia lhe causava frio ou tremor no estômago. Admirou a beleza do dia, a textura do dia.
Estava dividida. Havia, de fato, uma parte que se preocupava com todas as questões humanas mal resolvidas. Se haveria um, vários ou nenhum Deus. Se quando morresse iria para céu, inferno, purgatório ou se seria congelada numa espécie de capsula do Matrix aguardando o fim dos dias. Se evoluímos do barro, se crescemos na água e se somos mesmo todos macacos. A exigência da sociedade de que cada ser deve possuir seu pacote de teorias está implícita.
Mas havia a parte que sempre achou que não fazia o menor sentido teorizar sobre algo que não é concreto ou provável. A parte que acha que tanto faz de onde viemos ou para onde vamos, se estamos aqui. Que tanto faz se existe Deus ou não, pois devemos ser bons por nós mesmos. Todas aquelas metas religiosas deveriam ser pessoais; intransferíveis. A ética e os princípios deveriam existir independentemente de quaisquer guias.
Existe a parte que acha que deveria buscar novos contatos, estudos e trabalhos. Que devia investir em seus sonhos - buscar. E existe a parte que está feliz em acordar, dar um gole prolongado no café e prestar atenção em como se sente. Olhar o dia passando, imaginar a engrenagem no relógio girando por trás dos ponteiros. Ouvir risos e acender incensos. Sorrir com carinho, se arrepiar com toques e agradecer o frescor após o banho.
E não há conclusão. Não há peso maior. Só existe conciliação.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2014
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