quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Reflexo

Naquela noite eu era dela. Sem mas ou mais. Sem motivo ou necessidade. Apenas possuía o sentimento de ser tomado sem pertencer. Não havia laço, algema ou contrato estabelecido; nada que me fizesse ficar por obrigação.
Perdia-me admirando seu sorriso pois o resto era névoa. A mão que segurava a minha para guiar-me por entre a multidão também queimava-me os sentidos, anestesiava minhas possíveis reações - eu estava entregue.
O desejo poderia ter feito de mim refém, tal como escravo vendido acompanharia teus passos para minha perdição. Mas não. Ela absolveu-me de toda a culpa e solidão, mesmo sem estar ao meu lado. Seus lábios eram vermelho e futuro. No entanto, da distância em que estava, tudo que eu via era esperança.
Naquele momento eu a amei por me dar nada. Ela estava lá, enquanto eu perseguia minhas crenças. Ela estava lá e tornei-me melhor por mim mesmo. Não me consertou, a menina do sorriso infinito. Não me moldou em suas curvas ou aliviou meu cansaço. Apenas me deu vontade de sorrir também. Um par de lábios repuxados só meu. Meu para que eu desse a ela, mas meu.
E eu fui capaz de ressuscitar, trazer à superfície o que havia de bom em mim.
Não me beijou. Mas certificou com os dedos o contorno dos lábios. Engoli em seco porquanto era cuidadosamente analisado sem saber se seria aprovado.
Ela nunca mais soltou minha mão e eu fui para sempre feliz.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Semiologia

Se você tivesse que ir, deixaria que partisse de bom grado. Contaria, porém, um por um dos segundos até que voltasse. Entendo o cansaço, a dificuldade, a preocupação: se você entender que vou permanecer firme do teu lado. Independente deles. Esperando que o sorriso venha na hora certa.
Se você estivesse triste talvez eu não fosse a primeira pessoa a fazer uma piada e conquistar como consequência a volta de tua alegria. Graça nunca foi meu forte e você é infinitamente melhor nisso do que eu. Mas eu estaria lá ainda, fazendo meu comentário aleatório para fugir do assunto, te fazendo esquecer e enxergar o lado positivo de alguma coisa na vida. É minha mania e minha forma de aliviar tua dor.
Queria poder te dar o abraço consolador e preparar um banho quente, um cobertor. Dispensar o vício da semiologia e escutar o que você sente. Só para dizer que te aceito, que te quero.
O medo da vulnerabilidade me afasta; me defende. Já a tua felicidade, ela me puxa de volta. Invisto meu tempo, gasto meu carinho, renovo meu afeto. Torna impossível que eu desista e inevitável lidar com a insegurança frequente.
Não há caminho, além dos teus passos. Outros lábios, outros abraços. É uma vontade inexplicável de largar o mundo de sorrisos só para que ele seja real. Esquecer as ilusões construídas com literatura kitsch e viver os problemas de te ter por completo.
O engraçado é que quanto mais reduzo o pedestal maciço que estabeleci para você, menor fica o masoquismo controlado de almejar o impossível, minha querida grama verde. Só posso concluir que o trabalho excessivo em pensar foi bem recompensado.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Map of your head

Hoje reencontrei o céu que me inspirava
De fora da rachadura no teto que não mais me incomodava
Seria poético dizer que era azul como seus olhos
Mas nem as pálpebras escondem o castanho brilhante.

Fisicamente, o ponto de vista estava fixado na mesma coordenada;
Diário, eterno.
Já a mente não poderia ser forçada a entrar no ângulo correto,
Contar os graus ou comandar os sentidos.
Não.
O coração era escravo do desejo da mente,
Tão sofridamente controladora
Acostumada aos tempos difíceis.

Parado ali, de forma inesperada,
Achei meu céu.
Sem ilusão dos sentimentos criados.
Era real.
As mesmas tonalidades intensas,
O mesmo tema de tantos textos já escritos por mim
Pensei que tinha esquecido sua localização,
Mas percebi que não se tratava disso:
Meu céu era um estado.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

O momento certo

Lembro de ver a lua pela janela quando tudo começou. Um beijo tímido, futuramente úmido, preencheu meus lábios, contornos pendentes. E a carne neles tornou-se vermelha, mordida. Mesmo sem voz, conseguiu chamar meu anseio. O calor recebido virou troca. Pude jogá-lo para baixo de mim e deslizar em suas formas; transportar as unhas do começo ao fim de sua existência, só para provocar reações químicas. O corar da tua face revelava segredos enquanto os olhares transbordavam mistério. Queria lê-lo com a língua e amar cada medo.
Uma batida lenta embalava cada toque, parecia dar o tom certo para o arrepio. As mãos se encontraram, se prenderam, se colocaram com força contra o lençol. O suor da pele molhada fazia com que os corpos se perdessem. No tempo. Na dança. Um no outro.
A visão era turva. A luminária azul ressaltava apenas o brilho do movimento, do corpo suculento, se guiando num contrapasso que, intermitente, intercalava os ritmos e trazia embriaguez.
Não respirávamos. Apenas inspirávamos o perfume um do outro, exalando cada vez mais forte da pele aquecida.
E então o sol começava a nascer, revelando os sorrisos, olhares satisfeitos. Deixando que a brisa refrescasse a sensação trêmula, exausta. As juras não se fizeram necessárias. Ou qualquer palavra que definisse ou explicasse. A conexão havia sido estabelecida. O compromisso em trazer a felicidade sincera para o amado era simples e natural.
A pele sensível presa num abraço infinito e eles dormiram, sem apagar a ideia de que tinham um ao outro.